Os desafios para a representatividade da sociedade na política foram debatidos em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) nesta terça-feira (16). A reunião foi presidida pela senadora Zenaide Maia (Pros-RN), porque o presidente do colegiado e autor do requerimento da audiência, senador Paulo Paim (PT-RS), está em licença médica.
O frei Davi dos Santos, um dos participantes, elogiou o tema do debate, já que, em sua opinião, os brasileiros “se sentem traídos pela classe política”. Para o frei, embora tenha havido uma renovação da representatividade nas eleições de 2018 e existam parlamentares exemplares, a política ainda carece de aperfeiçoamentos.
— A sociedade brasileira decidiu dar uma rasteira em políticos desonestos. Basta ver, aqui no Senado e na Câmara, quantos tradicionais não foram reeleitos, mesmo tendo tremendo poder financeiro. Isso também se deve a um fenômeno novo, que é o despertar mais intenso da consciência de pertencimento do povo negro.
Para a jornalista Joyce Ribeiro, da TV Cultura, representar é “colocar a vida à disposição dos interesses de uma classe, grupo ou nação”. Ela questionou até que ponto a opinião do eleitorado é levada em consideração pelos políticos e considerou que a chave para o sucesso de todas as decisões é o estreitamento das relações entre esses dois grupos.
— Será que os meus representantes levam adiante as minhas questões, necessidades e aquilo que, enquanto cidadã, eu depositei em confiança neles? Garantir essa representação contínua e essa inserção institucional, para mim, é o grande desafio da nossa sociedade.
A deputada federal Áurea Carolina (Psol-MG) disse que o Parlamento ainda é distante da maioria da população justamente no que refere ao tratamento das particularidades de cada povo, com identidade e formas próprias de vida e de lutas. Segundo a parlamentar, ainda há muitos grupos a serem reconhecidos nos espaços de poder, na busca pela justiça social.
— Esse é o grande marco no nosso debate. Representar mais e melhor não é qualquer coisa. Não é apenas trazer mais mulheres, mais pessoas negras, mais indígenas para as instituições, mas qualificar as agendas políticas de acordo com as necessidades dessas populações.
Zenaide Maia criticou o que ela chamou de “a criminalização da política” por alguns setores da sociedade. Ao ressaltar que o exercício parlamentar é uma atividade nobre, a senadora disse que a desonestidade não é inerente a profissão ou cor, mas é um fato enfrentado por todas as classes sociais.
— Tratar política como crime é um grande problema porque, se criminalizam-se as políticas, imaginem o que se faz às minorias da nossa sociedade.
Foco
Gerente de Advocacy da organização não governamental Plan Internacional, Viviana Santiago defendeu que toda representação precisa ter foco em linhas específicas de ação. Ela apontou, por exemplo, a dificuldade de reconhecimento de direitos das crianças, especialmente das meninas, “devido a uma sociedade culturalmente machista e patriarcal”. Para Viviana, esse é um problema que somente será resolvido por meio da “indivisibilidade das lutas”.
— Precisamos lembrar que ainda temos as meninas negras, as meninas trans e, dentro do nosso princípio da dignidade da pessoa humana, defendemos que todas as causas devem se irmanar. Um mundo melhor para as meninas significa um mundo melhor para a sociedade toda.
O senador Styvenson Valentim (Pode-RN) também defendeu as mulheres e as crianças, lamentando o fato de que muitas letras de música denigrem a imagem dessas pessoas. Segundo o parlamentar, por se tratar de assunto delicado, quem tenta agir corretamente vive com medo até mesmo de fazer uso da palavra.
— Sou totalmente a favor de que as pessoas se divirtam, mas com responsabilidade, e esta responsabilidade começa com o respeito.
Styvenson falou ainda sobre as dificuldades que enfrentou para conseguir se enquadrar na política. Favorável a candidaturas avulsas, ou seja, sem ligação a partidos, o senador questionou qual tipo de democracia é exercida no Brasil, já que a maioria das pessoas não tem liberdade de escolhas.
— Eu estou aqui para falar a realidade, mas não para desestimular. Então, digo aos jovens que busquem a política, para que possamos quebrar a hegemonia familiar, oligárquica e coronelista que ainda existe no Brasil, a fim de aperfeiçoarmos nossa democracia.
Representatividade
Assessora da deputada federal Joenia Wapichana (Rede-RR), Mayra Wapichana comemorou a ampliação de espaços de representatividade como a audiência pública promovida pela CDH. De origem indígena, ela informou que o mandato da deputada está focado justamente no aperfeiçoamento das relações entre os povos e os representantes do poder.
— Saber das comunidades, poder ouvir, levantar a bandeira e defender direitos indígenas e coletivos é a nossa total prioridade. Nosso trabalho é trazer as demandas e levar soluções até o povo que não consegue chegar aqui, aproximando cada vez mais as populações do Congresso.
Já o senador Flávio Arns (Rede-PR) disse que é possível fortalecer a representatividade por meio de um trabalho conjunto com as pessoas que se interessam pela política. Ele ressaltou, no entanto, que tudo leva tempo, porque depende de um processo adequado de educação com vistas à mudança de cultura.
— Essa modificação de pensamento precisa acontecer da maneira mais rápida possível, e um debate como este é um ótimo espaço para acolhermos sugestões, a fim de contribuirmos para que essa realidade [da falta de representatividade] no Brasil mude.