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Mato Grosso

Ensino Superior é oportunidade para indígenas mudarem história de suas aldeias

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Marcio Umutina tinha 21 anos, quando terminou o segundo grau em Barra do Bugres (165 km a noroeste de Cuiabá) em 2000. No ano seguinte, tão logo começou a funcionar no município o Terceiro Grau Indígena (atual Faculdade Indígena Intercultural), da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), ele ingressou como um dos alunos.

Formou-se em 2005 e, desde então, é um dos professores da Escola Jula Pare, em sua aldeia localizada a poucos quilômetros de Barra do Bugres, mas cujo acesso é possível apenas atravessando o rio Paraguai de barco. Segundo ele, o nome da escola é uma homenagem a um ancião de suma importância para seu povo, por sua contribuição à revitalização cultural e linguística e na recuperação de cânticos já perdidos.

Segundo o professor Adailton Neves da Silva, diretor da atual Faculdade Indígena Intercultural, há pouco menos de duas décadas, as crianças Umutina negavam sua identidade, por vergonha. Na época, a escola era dirigida por um não indígena e ninguém sabia uma palavra de sua língua materna. O ano de 2019 foi escolhido pela Unesco como o Ano Internacional das Línguas Indígenas.

“A nossa entrada no Terceiro Grau Indígena foi um divisor de águas”, afirma Marcio Umutina, hoje mestre em educação indígena. Seu trabalho de conclusão de curso versou justamente sobre a narrativa mística do seu povo.

Márcio é um dos 14 professores graduados de sua aldeia. “Foi a partir daí que começamos a trabalhar na revitalização cultural, com cada um pesquisando dentro de sua área e contribuindo para a reconstrução da nossa história. Hoje, a gente olha pra atrás e sente a importância da educação para o nosso povo”.

Não só pela recuperação da identidade, mas também pela melhoria da qualidade de vida. Hoje a aldeia tem água tratada, energia elétrica, internet e alguns dos seus membros são atendidos pelos próprios irmãos, enfermeiros ou técnicos de enfermagem. Resultado disso, por exemplo, é que a mortalidade infantil diminuiu na aldeia.

Professor Márcio Umutina em sala de aula – Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT

“Temos atendimento à saúde. Não é perfeito, mas, se comparado ao atendimento que se tem na cidade… Só utilizamos medicamentos fabricados em casos graves. Normalmente, seguimos nossa própria medicina”, diz.

Metodologia específica

A escola da aldeia, cujo prédio de alvenaria conta com quatro salas de aula, laboratório de informática, refeitório, sala de professores e administrativa, agora é totalmente dirigida pelos Umutina. Lá a matriz curricular é como em qualquer escola, exceto pelas disciplinas específicas.

Os curumins aprendem não somente língua portuguesa, matemática, geografia, história, ciências como a língua materna, práticas culturais, agroecológicas e tecnologia indígena, que consiste em ensinar como se fabrica um arco, uma canoa, técnicas do trançado, da plumagem. Nesta tarefa, os professores são ajudados pelos anciãos, responsáveis por ensinar estes ofícios aos mais jovens.

Um exemplo de como funciona este tipo de ensino veio do professor Adailton. Como os estudantes da Jula Pare vão participar de uma Feira de Matemática em Barra do Bugre, apresentando oito trabalhos, um deles será sobre o processo de construção de uma canoa, baseado na disciplina. No entanto, o ancião que estava explicando todo o processo aos estudantes, se lembrou de que não poderia continuar naquele momento, porque a lua não era propícia para a retirada da madeira. A pesquisa foi adiada.

Todo o esforço individual de frequentar a Faculdade é voltado para a aldeia. “Quando a gente muda a nossa história de vida, a gente muda a história da nossa família, da nossa comunidade. Por isso, assim que nos formamos, voltamos pra nossa aldeia, porque tivemos o incentivo de nossos pais, das lideranças e dos anciãos pra gente estudar e ter boa formação”, afirma Marcio Umutina.

Para o cacique Lucimar Kalomesoré, a formação acadêmica de seu povo só ajuda. “Quando saíram daqui, foram com o objetivo de estudar e retornar pra nossa comunidade. A gente sabia que iria precisar deles para mudar nossa realidade. Nossa cultura já estava quase perdida. Graças à escola, recuperamos nossa língua materna. O mesmo aconteceu na saúde. Com exceção do doutor (médico), todos são índios no posto de saúde. Hoje temos professores, enfermeiros, técnico, advogados, administradores…”.

Cacique Lucimar – Foto: Christiano Antonucci/Secom-MT

Faculdade se prepara para o “desafio do” mestrado

A Faculdade Indígena Intercultural foi criada em 2001 e está na sexta turma de Licenciatura, na segunda de Pedagogia e realizou três edições de especialização. São 450 professores formados, 140 profissionais especializados e no próximo ano terá início um mestrado, aprovado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), portanto, aberto para todo o país.

“Este é nosso próximo desafio. Pensar um mestrado voltado à educação na aldeia, não exclusivo para pesquisa acadêmica. Em nossa visão, o participante deverá trabalhar em conjunto com o graduado. É importante ir às aldeias para entender as necessidades reais de cada escola indígena. Como contribuir para a formação do professor considerando suas necessidades, locais ou fora da aldeia”, explica o diretor Adailton.

Professor Adailton – Foto: Christiano Antonucci/ Secom-MT

Como exemplo, ele cita as mudanças propiciadas pela metodologia aplicada pela Unemat, de optar por um currículo aberto, seguindo as demandas dos interessados. 

“No final dos anos 1990, minha esposa pesquisou o imaginário Umutina sobre a população de Barra do Bugres e vice-versa. Mostrou-se a seguinte realidade: os índios se sentiam excluídos, enquanto o outro lado os tratava como um peso. Hoje, após a frequentar a Faculdade, o grupo é forte. De 20 anos pra cá, a escola deles avançou mil por cento. Como a escola Umutina, outras como a Ikipeng, no Xingu, a Tapirapé, no Médio Araguaia, seguem o mesmo exemplo”.

Além da Faculdade Indígena, a Unemat implantou em 2015 o sistema de cotas. Em todos os seus 63 cursos, 5% das vagas são reservadas a indígenas. “Nosso outro desafio é garantir a permanência dos alunos na escola. Se eles não se adaptarem, podem não voltar, gerando um resultado negativo. Temos que amenizar os impactos sobre eles, para evitar que isso aconteça”, conclui o professor Adailton Alves da Silva.

Superintendente de Assuntos Indígenas formou-se em programa de inclusão

O atual superintendente de Assuntos Indígenas de Mato Grosso, Soilo Urupe Chue, da etnia Chiquitano, formou-se em Psicologia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), por meio do Programa de Inclusão Indígena (Proind), junto com outros 43 inscritos, em diferentes áreas e nos diversos câmpus da UFMT (Cuiabá, Rondonópolis, Araguaia e Sinop).

Segundo ele, além do Proind, exclusivo para as etnias de Mato Grosso, da Faculdade Indígena e das cotas abertas na Unemat, há outros indígenas que estudam em faculdades particulares. “Embora o índio ainda continue dependente, é muito gratificante ver este avanço. Hoje não é preciso sair da aldeia. O ensino é reconhecido pelo MEC. Também não temos a intenção, quando estudamos, de nos realizarmos individualmente. Temos um compromisso coletivo, de fazer alguma coisa pelo nosso povo. Está dando certo. Depois de formados, estão retornando à aldeia e dando a sequência ao seu trabalho”.

Superintendente de Assuntos Indígenas, Soilo Urupe Chue – Foto: Tchélo Figueiredo/Secom-MT

Ele ressalta que a formação acadêmica contribui ainda para fazer um intercâmbio entre o mundo do índio e o dos brancos. “Mas, também é uma luta, porque precisamos do apoio do nosso povo. Por isso, não podemos cometer erros, este erro é visto como de todo a etnia. Mas, de qualquer forma, estamos avançando”.

Novo vestibular

Eric Kamikwa, do povo Kurâ-Bakairi, da aldeia Pakuera, está se graduando em Antropologia pela UFMT neste ano, pelo Proind. Seu projeto de vida é voltar à aldeia. “Quando saímos, já temos uma ideia planejada. Como cientista social, especializado em antropologia, minha área é pesquisa, trabalhar com população tradicional. Mas, a ideia mesmo é voltar, entrar no espaço escolar ou da saúde, e contribuir com a aldeia”.

Segundo ele, o Proind ainda se encontra ativo, mas está há cinco anos sem vestibular – o primeiro ocorreu em 2007 e o último em 2013. “Estamos reivindicando a sua volta, aguardamos ansiosamente o ingresso de mais gente do nosso povo no espaço acadêmico. Precisamos ampliar as vagas para os indígenas na universidade, para que no futuro possam atender as demandas de seu povo”.

Já temos voz própria, diz arquiteto 

Para o arquiteto Jucimar Ipaikite, da etnia Bakairi, formado pela Unic, e autor da maquete do prédio do Centro Sebrae de Sustentabilidade, em Cuiabá – cuja concepção foi baseada em construções da cultura indígena – o índio ainda hoje é visto em duas situações: como preguiçoso ou que venha se arrastando. 

Arquiteto Jucimar Ipaikite, ao lado da maquete projetada por ele – Foto: Tchélo Figueiredo/Secom-MT

“Este é um momento em que gente dá um salto evolutivo, quando já não precisamos mais do antropólogo não indígena para falar por nós. Já temos voz própria. Esta nova dinâmica, onde há universitários, estudantes e já formados, por sua natureza eleva a nossa discussão”.

Segundo ele, mesmo que às vezes esta nova realidade se choque com a autoridade do cacique, a intenção é buscar novos caminhos para melhorar a comunidade.

Sobre o preconceito contra os índios, Jucimar diz que ele permanece. “Ainda nos veem como incapazes, exigindo que provemos, em todos os momentos, sermos capazes, mesmo tendo formação de nível superior. Se errarmos, é porque somos índios”, conclui Jucimar, que além de arquiteto, continua produzindo maquetes, fazendo reformas e trabalhando no Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei).

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Mato Grosso

Prefeito de Brasnorte agradece delegado Dr. Guilherme por atuação: “Excelente trabalho”

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O Prefeito de Brasnorte, Edelo Ferrari, recebeu em seu gabinete o delegado Guilherme Renato Hernandes Polimeni para agradecer pessoalmente pelo trabalho realizado à frente da Delegacia de Polícia Civil do município. Dr. Guilherme, que atuou por um ano e cinco meses em Brasnorte, será promovido no mês de junho para assumir a Delegacia Especializada de Defesa da Mulher em Tangará da Serra.

Durante o encontro, o Prefeito destacou a atuação do delegado, especialmente no fortalecimento da Rede de Proteção à Mulher no Município. “Nos despedimos do Delegado Dr. Guilherme que realizou um excelente trabalho aqui em Brasnorte, principalmente na Rede de Proteção à Mulher”, destacou o Prefeito.

“Por um lado, há o reconhecimento da perda de um profissional dedicado, ético e atuante. Por outro, há o orgulho pela conquista de uma nova etapa em sua carreira, agora promovido para uma delegacia especializada em Tangará da Serra, Desejamos sucesso e que Deus o abençoe nessa nova jornada”, completou Ferrari.

Até a chegada de um novo delegado titular, Dr. Guilherme seguirá respondendo pela delegacia de Brasnorte, garantindo a continuidade dos atendimentos e investigações em andamento.

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Mulheres na Política: uma jornada de resiliência e determinação

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Mais de 130 lideranças femininas de Mato Grosso marcaram presença na 3ª edição do Workshop Defesa Lilás, realizado neste último sábado, 17 de maio, no Hotel Deville Prime, em Cuiabá. Nesta nova edição do encontro – coordenado pelo União Brasil Mulher – a ideia foi oferecer um espaço de formação, escuta e troca de experiências, sobre os desafios enfrentados por mulheres que estão hoje na ambiência política. Não só para aquelas que asseguraram mandatos nas últimas eleições de outubro de 2024 – prefeitas, vices e vereadoras – mas, igualmente, para todas as lideranças femininas que tiveram a coragem de peitar um sistema eleitoral comandado quase que exclusivamente por homens.

Assim, este ano, em especial, o workshop quis celebrar o protagonismo feminino nos espaços de decisão. Homenagear mulheres que com resiliência e determinação venceram os medos e as inúmeras barreiras eleitorais. Pois sabemos que a política como ainda a temos hoje é uma espaço cheio de armadilhas, assim, um desafio repleto de entraves que vão muito além da disputa nas urnas.

Desta forma, para muitas de nós, conquistar um mandato significou atravessar um verdadeiro campo de resistência, marcado por preconceitos, violências simbólicas, institucionais e, muitas vezes, pessoais. Desvelando em cada eleição que a presença feminina, em espaços de poder, incomoda, porque exige mudança de cultura, redistribuição de fala e desconstrução de velhas estruturas.

É por isso que, como deputada federal, tenho buscado não apenas representar mas também apoiar, acolher e fortalecer outras mulheres que com bravura, ousaram enfrentar as urnas e vencer, mesmo diante de um sistema estruturalmente machista.

Prefeitas, vice-prefeitas, vereadoras e tantas outras lideranças femininas de Mato Grosso têm sido protagonistas de uma transformação silenciosa, porém potente. São mulheres que decidiram ocupar a política com competência, sensibilidade e coragem. E que mesmo após eleitas, enfrentam diariamente o desafio de manter sua voz e sua integridade diante das estruturas de poder.

Para honrar essas trajetórias e fortalecer essa caminhada coletiva, o Workshop Defesa Lilás foi bem para além das capacitações. Assim, muito mais do que um espaço técnico, foi um território de pertencimento e troca. Um ambiente onde reconhecemos nossas dores, reafirmamos nossas potências e traçamos estratégias de permanência e expansão.

Assim, acredito piamente que essas qualificações são como lapidações delicadas e necessárias, na jornada de transformar talentos em lideranças, pedras preciosas em verdadeiras joias políticas. Mulheres com brilho próprio, mas que, em rede, constroem pontes de conversação, empatia e mobilização entre seus mandatos e suas comunidades.

Cada vitória feminina nestas últimas eleições foi uma conquista sobre a solidão institucional, desta forma, indubitavelmente, uma conquista coletiva que precisa ser celebrada.

Diante desta realidade gostaria, orgulhosamente, de reiterar à todas – com mandatos e aquelas que bravamente se tornaram porta-vozes de suas comunidades -, que a trajetória de cada uma mostra o quanto é valiosa e necessária a presença feminina nos espaços de decisão e, sobretudo, que sua permanência é uma estratégia no fortalecimento da democracia.

Quero deixar aqui meu compromisso – bem distante do discurso meramente político – de seguirmos juntas, firmes. Porque resistir, quando se é mulher na política, é também reinventar caminhos. E é na coletividade que esses caminhos se tornam mais seguros, mais plurais e mais possíveis.

Gisela Simona é deputada, líder da bancada feminina do União Brasil, na Câmara Federal, e presidente do diretório da legenda em Cuiabá

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Festa do Milho agita Bom Jardim com cultura e tradição

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A comunidade de Bom Jardim, em Nobres (MT), viveu um fim de semana especial com mais uma edição da tradicional Festa do Milho. Música ao vivo, pratos típicos e celebrações religiosas deram o tom do evento, que transformou a praça central em um grande palco da cultura mato-grossense — tendo o milho como grande estrela da festa, tanto na gastronomia quanto no simbolismo rural.

Milho em todas as formas e sabores

A culinária foi um dos destaques incontestáveis. Pamonhas, curau, bolos, caldos e receitas criativas com milho encheram os olhos — e o prato — dos visitantes. As barracas lotaram ao longo do dia, atraídas pelo aroma irresistível da comida feita com ingredientes locais. Agricultores aproveitaram para exibir a qualidade das colheitas da região, enquanto comerciantes reforçaram a importância do milho na economia comunitária.

Forró, sertanejo e MPB animaram a noite

A música também brilhou na Festa do Milho. No palco montado na praça, artistas locais animaram o público com muito forró, sertanejo e MPB. A energia contagiante levou crianças, jovens e idosos a dançar juntos, em um verdadeiro encontro de gerações. As apresentações reforçaram o talento dos músicos da cidade e mantiveram o clima de festa até a madrugada.

Fé e tradição lado a lado

A programação começou com uma missa campal em agradecimento pela colheita e pela união da comunidade. O momento de espiritualidade deu o tom da importância que a fé e os rituais religiosos têm na vida rural. Para moradores e líderes locais, manter essa conexão com as tradições é essencial para preservar a identidade cultural da região.

Um evento que une, fortalece e celebra

Organizada de forma colaborativa entre moradores e apoiadores, a Festa do Milho reafirma seu papel como uma das principais celebrações do calendário cultural de Nobres. Mais do que entretenimento, o evento fortalece os laços comunitários, gera renda local e celebra o que há de mais genuíno na vida no interior: a partilha, a música, a fé e, claro, o sabor do milho.

 

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