O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) convocou, em caráter emergencial, o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Rodrigues, e o chefe da Abin, Luiz Fernando Corrêa, para uma reunião descrita por assessores como “tensa e constrangedora”. O encontro aconteceu após vir à tona que a Agência Brasileira de Inteligência teria mantido uma operação de espionagem contra autoridades paraguaias, mesmo já durante o atual governo.
A denúncia partiu de um servidor da própria Abin e foi revelada pelo UOL. Segundo as investigações, houve o hackeamento de membros do alto escalão do governo paraguaio, no contexto das negociações sobre a usina de Itaipu. O caso gerou forte desgaste diplomático, especialmente porque o Brasil sediará a COP30, em Belém, no fim do ano.
A princípio, o governo tentou atribuir a espionagem exclusivamente à gestão de Jair Bolsonaro. Uma nota do Itamaraty afirmou que a ação foi autorizada em junho de 2022 e encerrada em março de 2023, ainda na transição entre governos. Mas os depoimentos colhidos pela Polícia Federal contradizem essa versão.
Versões contraditórias e briga interna
Segundo os investigadores, a operação teria continuado sob comando informal de Luiz Fernando Corrêa, antes mesmo de sua sabatina no Senado. Há registros de ordens diretas dadas por ele nesse período. Na reunião com Lula, Andrei Rodrigues desmentiu a nota oficial encaminhada ao Itamaraty — redigida com base nas informações do próprio Corrêa.
A Polícia Federal já abriu inquérito para apurar não só a espionagem, como também o vazamento da operação. A crise acirrou a disputa entre Corrêa e Rodrigues, que já vinham se desentendendo nos bastidores devido às investigações sobre a chamada “Abin paralela”, formada durante o governo Bolsonaro.
Corrêa acusa a PF de perseguição política. A Polícia, por sua vez, afirma que o atual chefe da Abin tenta blindar aliados e sufocar investigações sensíveis.
O conflito atingiu seu ápice durante a reunião com Lula e o ministro da Casa Civil, Rui Costa. O encontro foi descrito como uma “acareação surpresa”, com o presidente irritado e sem disfarçar o incômodo com o desgaste provocado por uma estrutura que, na teoria, deveria operar com discrição.
Pressão sobre o Planalto
A revelação de que a espionagem pode ter continuado já sob o atual governo enfraquece a tentativa de transferir toda a responsabilidade à gestão anterior. Corrêa e Alessandro Moretti, ex-número dois da Abin, devem prestar depoimento nesta quinta-feira (17), e o conteúdo das oitivas pode definir o futuro de Corrêa no comando da agência.
Enquanto isso, a associação dos servidores da Abin (Intelis) publicou nota acusando a Polícia Federal de tentar enfraquecer a instituição — um sinal claro de que a crise virou uma guerra institucional.
A disputa entre PF e Abin coloca Lula no centro de um impasse perigoso. Com as duas principais estruturas de segurança do governo em choque, e sem controle sobre a narrativa, o Planalto agora enfrenta uma crise de confiança pública e diplomática.